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é premente enfatizar, com lucidez e responsabilidade, todos os cadeados sistêmicos, estruturais e conjunturais que ainda nos aprisionam. Tal exercício de consciência e civismo é crucial para fazer o que é preciso para nos livrar dos grilhões históricos que retardam nosso desenvolvimento.

O 7 de setembro de 1822 marcou a ruptura política com Portugal, no Grito do Ipiranga que nos fez independentes como país. Duzentos e três anos depois, porém, seguimos aprisionados a correntes mais sutis, a da desigualdade, da violência, da precariedade educacional e da exclusão social, que negam a um grande contingente de brasileiros a oportunidade de vivenciar a liberdade em sua plenitude.

A soberania de um povo começa pela educação, mas quando olhamos para a realidade, vemos que o Brasil ainda carrega grilhões pesados. Em 2024, havia 9,1 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais, o que representa 5,3% da população nessa faixa etária, segundo o IBGE. O atraso escolar também segue alarmante: 13,3% dos estudantes do Ensino Fundamental público tinham dois anos ou mais de defasagem, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), de 2023, mostra o tamanho do desafio: nota 6 nos anos iniciais, 5 nos anos finais do Ensino Fundamental e apenas 4,3 no Ensino Médio. Esses números não são meras estatísticas, mas algemas restritivas do futuro de jovens que não conseguem aprender o mínimo para se tornarem cidadãos plenos.

A mesma sensação de aprisionamento vê-se nas ruas. O País registrou 38.722 mortes violentas em 2024, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, média de 106 por dia. Houve queda em relação aos anos anteriores, mas o número segue absurdo. A violência contra mulheres bateu recorde: 1.492 feminicídios, também em 2024. O crime de estupros chegou a 87.545 casos, sendo 76,8% contra crianças menores de 14 anos, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

A verdade é dura: o medo diário de ser vítima de um assalto, da criminalidade ou de uma bala perdida nega ao brasileiro a liberdade de ir e vir sem temor.

A exclusão social completa esse cenário de aprisionamento invisível. O País ainda convive com déficit habitacional de sete milhões de moradias, favelização e falta de saneamento básico em regiões inteiras. Morar dignamente segue sendo um privilégio e não um direito garantido. O trabalho formal não chega a todos e muitos sobrevivem na informalidade, sem proteção ou perspectiva. A democracia consolidou-se, mas a cidadania ainda não se universalizou.

Um caminho para mudar esse quadro passa pelo fortalecimento da indústria. É ela que pode abrir as portas de uma independência verdadeira, porque gera empregos de qualidade, estimula inovação e garante autonomia tecnológica.

Em 2024, o setor representou 24,7% do PIB brasileiro, o equivalente a R$ 2,5 trilhões, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Responde por 66,6% das exportações, 66,8% dos investimentos empresariais em pesquisa e desenvolvimento, 37,9% da arrecadação federal e 21,2% do emprego formal, empregando mais de 10 milhões de trabalhadores.

Cada real produzido no chão de fábrica gera R$ 2,69 adicionais na economia, de acordo com levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). Só em 2024, o setor criou 181.887 vagas formais, com crescimento de 23,4% em relação ao ano anterior, segundo a FGV. São números que mostram que a indústria não é apenas motor econômico, mas um instrumento de libertação social.

Por isso, também não pode seguir acorrentada à bola de ferro do “Custo Brasil”, dos altos impostos, dos juros exagerados, da insegurança jurídica, dos elevadíssimos ônus trabalhistas e outros encargos que emperram seu fomento há mais de quatro décadas. Não é sem razão que temos nos mobilizado muito nas entidades representativas do setor pela solução desses gargalos e pela adoção de políticas públicas eficazes para o desenvolvimento do setor.

Além da independência política, os brasileiros precisam conquistar soberania como cidadãos. Isso se faz com escolas de qualidade, ruas seguras, moradias dignas e empregos que outorguem autonomia e autoestima às pessoas. A indústria é uma das bases desse inadiável avanço, porque multiplica riqueza, conhecimento e oportunidades.

Na celebração da Independência do Brasil, em 7 de setembro, é premente enfatizar, com lucidez e responsabilidade, todos os cadeados sistêmicos, estruturais e conjunturais que ainda nos aprisionam. Tal exercício de consciência e civismo é crucial para fazer o que é preciso para nos livrar dos grilhões históricos que retardam nosso desenvolvimento.

*Rafael Cervone é o presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e primeiro vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).