Acredito que São Paulo – com o porto mais importante (Santos), dois dos mais movimentados aeroportos (Cumbica e Viracopos) e o maior parque manufatureiro do País – tenha o potencial e a responsabilidade de liderar as transformações necessárias nos transportes brasileiros. Visando contribuir para o avanço dessa agenda estratégica, realizamos o evento, organizado pela Diretoria Jurídica do Ciesp, “Infraestrutura, Indústria e Concorrência: Caminhos para uma Política de Estado na Logística Nacional”.
Reiterando o que salientei na ocasião, reforço minha convicção de que precisamos encontrar soluções inovadoras e colaborativas para superar gargalos históricos e consolidar um modelo logístico e de transportes mais eficiente, sustentável e eficaz. Não se trata de um tema periférico, mas sim de um fator relevante para nossa inserção mais competitiva em todos os mercados globais.
Quando falamos da movimentação de cargas, o País ainda depende muito do modal rodoviário, que responde por cerca de 65% do total. Tal predominância, considerando as dimensões continentais do nosso território, representa altos custos por tonelada/quilômetro rodado e compromete a rentabilidade das empresas.
Pior: muitas rodovias estão malconservadas, enquanto investimentos em ferrovias e hidrovias seguem tímidos. Soma-se a isso a distância entre os centros industriais e os portos exportadores.
A precariedade logística é um dos itens mais agravantes do “Custo Brasil”, que tanto prejudica nossa indústria, representando uma diferença de R$ 1,7 trilhão por ano em relação ao ônus médio para operar nas nações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), segundo estudo do Movimento Brasil Competitivo e da Fundação Getúlio Vargas, com apoio do Boston Consulting Group. Ou seja, as empresas carregam um grande peso extra simplesmente por se localizarem no nosso país. Isso precisa mudar.
Merece atenção o alerta de Guilherme Theo Sampaio, diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), ao palestrar em nosso evento, de que a participação das ferrovias no transporte de cargas no Brasil, em torno de 21%, ainda está muito aquém do necessário. Países como os Estados Unidos e a China, com grandes áreas territoriais, como a nossa, já desenvolveram há tempos o transporte multimodal integrado como chave para otimizar recursos, reduzir impactos ambientais e aumentar a previsibilidade das operações logísticas.
Considerando os nossos gargalos e desafios nessa questão crucial, vejo com bons olhos o fato de o Governo Federal ter desencadeado o Plano Nacional de Ferrovias, abrangendo concessões em diversas regiões estratégicas. Porém, é essencial que o programa avance e tenha coerência e continuidade. Este alerta é pertinente, pois são numerosas as obras de infraestrutura abandonadas ao longo de décadas, em quase todas as regiões brasileiras.
Por isso, endosso as palavras de Helcio Honda, diretor jurídico do Ciesp, também proferidas no evento, ao destacar que a descontinuidade de projetos, provocada por mudanças de governo e de prioridades, gera insegurança jurídica e afasta investimentos. Precisamos, com urgência, transformar infraestrutura em uma política de Estado, acima de ciclos eleitorais. Somente assim conseguiremos gerar previsibilidade e atrair o capital necessário para destravar nossa estrutura logística.
No Ciesp e na Fiesp, temos procurado colaborar ativamente com esse processo, propondo políticas públicas, gerando discussões e engajamento e demonstrando o quanto esse tema é decisivo para o Brasil. Uma de nossas principais contribuições no âmbito dessa agenda é o trabalho da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem das duas entidades. Oferecemos ferramentas como o Dispute Board, mecanismo preventivo e eficiente para resolver conflitos em contratos de longa duração, justamente o perfil das grandes obras de infraestrutura. É um exemplo concreto de como o setor produtivo pode contribuir para a segurança e a eficiência jurídica dos projetos.
Temos, portanto, um caminho claro: consolidar a infraestrutura como política de Estado, promover a integração inteligente dos modais de transporte, garantir segurança jurídica e fomentar os investimentos privados, por meio de concessões e parcerias público-privadas, em especial na expansão e modernização do modal ferroviário. São medidas que não admitem mais adiamentos. O Brasil precisa de uma logística à altura de sua economia, de seu potencial competitivo e da necessidade de promover robusto crescimento sustentado do PIB.
*Rafael Cervone é o presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e primeiro vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).