Em seminário, análise do Projeto de Lei n. 1646/2019 com foco em devedor contumaz
- Atualizado emSolange Sólon Borges, Agência Indusnet Fiesp
“O Brasil anda para trás há décadas”, alertou Marcos Lisboa, diretor-presidente do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) ao apresentar microdados econômicos aos presentes. Ele questionou o que faz a diferença em termos de desenvolvimento: “Não há dúvida. A educação é o que diferencia os países, ao lado da infraestrutura oferecida, somadas às regras tributárias e trabalhistas”, respondeu. Na visão de Lisboa, mercado de crédito e comércio exterior necessitam de clareza. Esses fatores explicam por que alguns países conseguem se desenvolver e outros não. “Os [países] pobres protegem pequenas empresas ineficientes, têm um sistema tributário caótico e inventam algo como lucro presumido, o que distorce o preço relativo e induz a investimentos em atividades equivocadas, que recolhem menos imposto”, criticou.
A avaliação foi feita em seminário, em 11 de novembro, que teve como objetivo debater o Projeto de Lei para o combate ao devedor contumaz e cobrança da dívida ativa, e que foi conduzido pelo presidente da Comissão que o avalia, deputado Tadeu Alencar (PSB-PE), bem como pelo relator, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA).
Lisboa alertou que, quando se soma a renda total de um país e se divide pelo número de trabalhadores [com dados de 1995-2016], chega-se à seguinte conclusão: a renda de países emergentes – tais como Índia, China, Tailândia, Vietnã, Polônia, Hungria e África do Sul – cresceu 127%; os Estados Unidos, 48%; integrantes da OCDE, 35%; Brasil, 18%. “Os países emergentes crescem sete vezes mais do que o Brasil que vem empobrecendo desde os anos 1980. Os números foram mascarados pela explosão demográfica e a entrada de jovens no mercado de trabalho versus taxa de mortalidade baixa. “Má notícia: não crescemos”, alertou.
De acordo com o expositor, o contencioso reside no PIS, Cofins e ICMS, isto é, na origem, e não no destino, “algo que nós inventamos e que não existe no mundo todo. O sistema é complexo e se ‘inventa’ o contencioso, criam-se mecanismos para cobrar mais impostos, gera-se uma dívida ativa imensa e se pune o contribuinte. Há a criminalização do contribuinte e o problema é que o sistema é disfuncional. As regras bem desenhadas ajudam o país”, encerrou Lisboa, pedindo atenção específica a esse problema de fundo.

“Há fórmulas para o devedor contumaz se evadir e isto gera distúrbios concorrenciais”, alertou Fernando Facury Scaff (professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo/USP e de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal do Pará/ UFPA). Em sua análise, o Artigo 146-A da Constituição carece de regulamentação federal. No âmbito estadual há iniciativas como a Lei dos Conformes, em São Paulo. Scaff solicita a conceituação do devedor contumaz, que prevê a abertura de processo administrativo quando há indícios de fraude fiscal estruturada; o uso de ‘laranjas’; a Pessoa Jurídica (PJ) constituída com o propósito de se evadir da cobrança de tributos; Pessoa Física (PF) devedora que oculta bens, receitas ou direitos com o propósito de não recolher tributos ou burlar sistemas.
Scaff abordou também a recuperação de créditos ‘irrecuperáveis’ e chamou a atenção para ação cautelar fiscal que pode ampliar de forma desmesurada a possibilidade cautelar de indisponibilidade de bens, do acionista controlador e de todos os que tinham poderes para fazer a empresa cumprir suas obrigações fiscais. Ele concorda com Lisboa que “as regras importam. É preciso diferenciar o devedor contumaz daquele que inadimplente por outros motivos [crise econômica, crise pontual do próprio negócio]. É preciso demonstrar respeito em relação à função social da empresa, geradora de emprego e renda para a sociedade. O professor alertou para o fato de o inadimplente receber ao mesmo tempo o auto de infração e a cautelar, em função da redação que consta no PL.
“O devedor contumaz é aquele que individualmente soma R$ 15 milhões de débito, ou seja, em situação irregular por período igual ou superior a um ano”, afirmou Zabetta Macarini Carmigani (diretora executiva do Grupo de Estudos Tributários Aplicados – Getap) quanto à conceituação. E acrescentou um ponto crucial à discussão: “Quando há indisponibilidade dos ativos financeiros do devedor, este fica sem a chance de se utilizar de uns dos mecanismos para sua regularização” e questiona como fica a devolução do bem do contribuinte no caso de cancelamento de débito, no texto do PL. Carmigani citou emenda proposta pelo Getap com o objetivo de se criar um cadastro fiscal positivo, um tratamento diferenciado ao bom contribuinte.
Devedores são minoria
João Henrique Chauffaille Grognet (coordenador de Estratégias de Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – CGR/PGFN) afirmou que o Projeto em discussão diz respeito a determinados devedores e não a todos e há o devedor eventual que é diferente do contumaz: 62% dos débitos se referem a menos de 1% das empresas do país. Quase 92% de pessoas ativadas (com CNPJ) não devem à União; 8,12% (1,48 milhão) devem algo e 0,6% (10,6 milhões) devem mais do que R$ 15 milhões, de acordo com os números apresentados.
De acordo com Grognet, conta-se, no procedimento, com contraditório e ampla defesa, mas “os instrumentos atuais são insuficientes”; os orçamentos públicos são frustrados, a concorrência é corroída e se afugentam os investimentos. Para os créditos de difícil recuperação, recomenda 50% de desconto sobre o valor da dívida ativa; pagamentos à vista ou em 60 meses e revelou que os créditos considerados ‘irrecuperáveis’ somam R$ 1,3 trilhão, atualmente. E pontuou a necessidade de novo regramento para os bens penhorados e a possibilidade de contratação de empresa especializada em gestão de guarda.

Uma das saídas é se pensar em uma pirâmide de conformidade e também abordar as suas fases, segundo apontou Cristiane de Oliveira Coelho Galvão (consultora legislativa da Comissão Especial da Câmara dos Deputados).
Para Heleno Torres (professor titular do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo/USP), “faz-se necessário uma compliance tributária e se atacar o ápice, o topo da pirâmide, aquele que decidiu não se regularizar”, sinalizando para a necessidade de meios alternativos para litígios tributários, em se obter avanços institucionais alinhados às práticas internacionais e melhoria do ambiente de negócios.
Alexandre Ramos, gerente do Departamento Jurídico (Dejur) da Fiesp, aconselhou medida de equilíbrio diante do excesso de parcelamentos que cria distorções. Ao levantar pontos a serem esclarecidos, listou a clareza quanto à definição de ‘contumaz’, o rito do processo administrativo, o limite de benefícios impostos pelo PL quanto aos tipos de tributos à transação de créditos irrecuperáveis e ainda citou o fato de a Fazenda solicitar a falência de uma empresa com base em débito fiscal. Ramos também alertou para a hipótese da cautelar ser muito aberta, que poderia gerar cobrança coercitiva, e o fato de o devedor ser prejudicado pelo não pagamento dos seus créditos acumulados.
Luciana Freire, diretora executiva jurídica da Fiesp, reforçou a importância do tema em função da reforma Tributária que se avizinha: “É preciso manter o foco no ambiente de negócios e medidas para a retomada do emprego”.
Na Câmara dos Deputados, foi criada Comissão Especial a fim de avaliar parecer ao Projeto de Lei nº 1646/2019, do Poder Executivo, que “estabelece medidas para o combate ao devedor contumaz e de fortalecimento da cobrança da dívida ativa. Esse PL altera a Lei nº 6.830/1980, a Lei nº 8.397/1992 e a Lei nº 9.430/1996.